O Portal do Trânsito foi tentar entender como isso irá funcionar e quais as consequências dessa decisão para a população.
Recentemente uma decisão do Supremo Tribunal Federal chamou a atenção da população e causou muitas dúvidas. O STF entendeu que é constitucional o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial proveniente de uma dívida, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública.
Ainda conforme a decisão, a medida pode ser adotada, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
De acordo com o relator do processo no STF, o ministro Luiz Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso.
O Portal do Trânsito foi tentar entender como isso irá funcionar e quais as consequências dessa decisão para a população. Para isso, conversamos com Rene Dias, que é especialista em Direito de Trânsito.
Conforme o especialista, para entender a decisão do STF é preciso entender, primeiro, as diferenças entre Direito de Dirigir e Habilitação (CNH). “O Direito de dirigir é um estado jurídico natural do cidadão ao adquirir a maioridade penal, que no Brasil, constitucionalmente é ao completar 18 anos de idade. Mas isso não significa que ele possa dirigir um veículo automotor ao atingir essa idade, pois, precisa comprovar ter capacidade para isso. Quem determina como essa capacidade será atestada é a lei (Capítulo XIV do CTB). Ao terminar o processo com todas as etapas exigidas (inclusive o estágio de um ano da PPD) o cidadão será considerado habilitado”, explica.
Ainda segundo Rene Dias, sendo habilitado o cidadão receberá do Estado uma Certificação (CNH). O documento é uma simples LICENÇA, permitindo-o a exercer o seu direito de ir e vir (art. 5º, inc., XV da Constituição) dirigindo um veículo automotor.
“Em resumo, o direito de dirigir é do cidadão, mas, a CNH, que é a licença para exercê-lo, pertence ao Estado. O Poder Judiciário, que é uma das representações do Estado, com suas decisões representa a preservação e manutenção de direitos! Desta forma já se pode compreender o motivo pelo qual a decisão do STF está correta”, argumenta.
Qualquer dívida do cidadão pode levar à apreensão da CNH?
Rene Dias diz que “cada caso é um caso”. Além disso, tudo dependerá da correlação entre a medida aplicada e o sucesso no intuito de sua prática. Segundo o especialista, no caso, por exemplo, de dívidas nos Serviços de Proteção ao Crédito, não será aplicada a medida. “Isso porque já há medidas coercitivas próprias para o tema. Como por exemplo, o bloqueio de contas bancárias do devedor ou a penhora de seus bens, que, evidentemente, surtem maiores efeitos do que a CNH. Ou seja, a medida de apreensão de CNH ou Suspensão Judicial do Direito de Dirigir dificilmente -eu diria até remotamente- será aplicada nesses casos, somente em situações raríssimas e excepcionais”, explica.
Em que tipos de dívidas poderá acontecer a apreensão da CNH?
O especialista explica que como envolve o exercício de um direito básico constitucional, e pela excepcionalidade que compreende essa medida coercitiva, a apreensão da CNH ocorrerá somente em casos extremos. Naqueles em que houver a necessidade de impedir que o exercício do direito de dirigir seja prejudicial para que se cumpra a decisão.
“Por exemplo: o cidadão que tenha um veículo objeto de busca e apreensão por instituição financeira, com decisão judicial em definitivo determinando sua devolução, mas, que não foi cumprida e que ainda esteja comprovadamente sendo utilizado em circulando nas vias públicas, criou-se aí um vínculo entre a necessidade da decisão pela suspensão do seu direito de dirigir com a relação financeira do resultado do processo. Neste caso, a obrigação de fazer (devolver o veículo que está com as prestações inadimplentes) poderá se justificar como tentativa de impedir coercitivamente que o cidadão o dirija”, aponta Dias.
Ele cita, ainda, outro exemplo. “Também poderá se aplicar ao caso de um cidadão se envolver em sinistro de trânsito que tenha ocorrido somente danos materiais. Aquela situação que ao final de um processo civil, o juiz decrete a reparação dos danos e o réu descumpria a decisão. Também se justificaria a decretação de apreensão de sua CNH como forma coercitiva para que se cumpra a decisão”, pontua.
Rene Dias ressalta que o importante na aplicação desse instrumento coercitivo é entender que não basta haver o fato jurídico de inadimplemento para que o cidadão corra o risco de ter sua habilitação apreendida ou decretado suspenso o seu direito de dirigir. “Isso somente ocorrerá quando esgotados os demais meios disponíveis e, principalmente, quando houver grave ameaça ao direito de terceiro”, informa o especialista.
Como poderá ocorrer a apreensão da CNH?
Sobre o assunto, o especialista em Direito de Trânsito esclarece que os mecanismos de cumprimento das determinações judiciais visam garantir a prática das medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
“Desta maneira, todos os dispositivos disponíveis à justiça serão acionados, portanto, se o réu (cidadão condutor) descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência para assegurar a efetivação da decisão. O Esforço Legal (fiscalização pública) é um apoio fundamental ao exercício do Poder Judiciário. Desta forma, a qualquer momento que o agente público de trânsito se deparar com pessoa com nessa condição judicial (suspenso), deverá sim, recolher a CNH e encaminhá-la ao Poder Judiciário para que seja apensada ao processo”, justifica Rene Dias.
Medida válida para assegurar pagamentos de dívidas
Rene Dias acredita que a medida vale para assegurar o pagamento de dívidas específicas. “O recolhimento de documentos (como a CNH) surtirá efeitos para assegurar o pagamento de dívidas em situações bem específicas e pontuais. Por isso, devemos enxergá-la como uma medida extraordinária e não corriqueira como muitos estão pensando ou disseminando”, conclui.